Cidades com maioria negra e latina são alvo preferencial de intervenção de Trump

Todas são governadas por prefeitos negros e têm população branca como minoria, em contraste com média nacional

Como parte de sua campanha anti-imigração e da repercussão política do assassinato de Charlie Kirk, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem acelerado o plano de enviar soldados da Guarda Nacional a cidades em todo o país como estratégia para combater a criminalidade.

Além do fato de se tratarem de grandes centros urbanos, as cidades alvo do republicano têm em comum o fato de serem governadas pelo Partido Democrata, da sua população ser majoritariamente não branca, e de todas, sem exceção, serem lideradas por prefeitos negros.

Nas últimas semanas, Trump anunciou ainda uma megaoperação do ICE (o serviço de imigração dos EUA) e envio de tropas à cidade de Chicago, a terceira maior do país, e prometeu enviar a Guarda Nacional a Nova Orleans, Memphis e Nova York, metrópole de quase 9 milhões de habitantes. Antes, havia mandado a força nacional para Los Angeles, medida hoje questionada na Justiça, e para Washington, esta sob argumento de combate à criminalidade, embora os indicadores mostrem queda recente.

A composição demográfica desses locais contrasta com a média do país. Nos EUA, segundo dados do Censo de 2020, 57% das pessoas são brancas, 19% são latinas e apenas 12% são negras. Em Washington, 41% dos habitantes são negros; em Los Angeles, 47%, quase a metade, são latinos; e em Chicago e Nova York, a população branca não passa de 31%.

Nova Orleans e Memphis, em especial, são lugares em que mais de 50% da população é negra (em Memphis, 3 a cada 5 pessoas são afro-americanas) e que têm forte tradição cultural e histórica negra: a primeira é conhecida por seu carnaval, culinária e jazz, e a segunda abriga o maior museu do país sobre a luta dos direitos civis nos EUA —foi em Memphis que Martin Luther King Jr. foi assassinado.

Trump afirma, a despeito de dados que mostram o contrário, que a criminalidade está em alta nas grandes cidades americanas e que medidas duras são necessárias para combatê-la —mesmo antes da morte de Kirk, aliados de Trump vinham usando casos como o assassinato da ucraniana Iryna Zarutska, morta por um homem negro na Carolina do Norte, como exemplo disso.

O presidente tem usado termos cada vez mais carregados para descrever as cidades que são alvo de intervenção. O republicano chamou Chicago de um “campo de matança” e “a cidade mais perigosa do mundo” e, no último dia 6, disse em uma publicação na sua rede social que a metrópole “está prestes a descobrir porque o nome é Departamento de Guerra”, em referência à recente mudança de nomenclatura do Departamento de Defesa

Trump também chamou Los Angeles de uma metrópole tomada por “invasores criminais e anarquia” e prometeu “reconquistar” Nova York, “tomar conta” de Nova Orleans e “cuidar dos profundos problemas” de Memphis.

Especialistas enxergam uma narrativa que se conecta com o longo histórico de racismo na segurança pública dos EUA.

“Os termos que estão sendo utilizados são problemáticos e beiram os estereótipos raciais”, afirma a criminologista Andrea Headley, professora de Política Pública na Universidade Georgetown, em Washington. “Essa linguagem nos leva de volta a uma retórica utilizada no passado para se referir a comunidades negras e pardas [“brown”, no original, um termo que nos EUA se aplica a pessoas de origem latina, do Oriente Médio ou do Sudeste Asiático].”

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