Fux descarta condenar Bolsonaro por organização criminosa e inicia julgamento por outros crimes
Manifestação foi dada em voto sobre a trama golpista na Primeira Turma do STF

O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou durante seu voto desta quarta-feira (10) que a PGR (Procuradoria-Geral da República) não demonstrou na denúncia que a trama golpista configura uma organização criminosa armada.
Segundo o ministro, a acusação descreve um concurso de pessoas para o cometimento de um suposto crime, ou seja, que elas atuaram, mas sem que pudessem ser enquadradas no tipo penal. O entendimento representa um cavalo de pau em relação ao que adotou nos votos contra os condenados pelo 8 de Janeiro.
Fux ainda vai analisar o mérito sobre as demais acusações, inclusive a de tentativa de golpe de Estado. A sessão foi interrompida por uma hora às 12h50.
“A denúncia não narrou em qualquer a trecho um horizonte de espaço temporal definido, isso não está na denúncia. Absolutamente não foi isso que se narrou na inicial acusatória. Não narrou a permanência e estabilidade da organização”, disse.
Fux chegou à conclusão por entender que a PGR não provou que algum dos réus tenha empregado arma de fogo durante a trama golpista denunciada nem os réus se reuniam com frequência para o planejamento dos crimes —dois pontos necessários para configurar a organização criminosa.
“Trata-se do trecho que o PGR cita notícias sobre a alegada presença de CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] nos denominados acampamentos, menção essa sem qualquer comprovação nos autos, sem indicação de que tenha sido feita qualquer apreensão e, mais importante, sem qualquer vinculação com os réus. Estamos julgando os réus”, disse.
O ministro disse que vai seguir a posição de que o crime de golpe de Estado deve absorver o crime de abolição do Estado democrático de Direito. Para Fux, um dos delitos é um meio para se alcançar outro. O ministro tratou desse ponto em tese, sem entrar no mérito da denúncia contra os réus.
“A duplicidade dos crimes do Estado democrático de Direito revelou-se equivocado. Mesmo em tese, o delito de abolição violenta constitui-se como meio para outro delito, que é o golpe de Estado”, disse.
Fux também indicou que deve absolver os réus pelo crime de dano ao patrimônio público e tombado. Ele disse que o vínculo dos réus com os ataques de 8 de janeiro “não foi demonstrado”. “Não se pode reconhecer a responsabilidade solidária de todos os concorrentes do grupo aos danos ocorridos em 8 de janeiro de 2023”, afirmou.
Fux abriu seu voto no julgamento da trama golpista com um discurso de que não cabe ao tribunal realizar juízo político e se alinhou a críticas sobre a conduta do ministro Alexandre de Moraes na relatoria do processo.
Fux destacou ponto a ponto as principais queixas apresentadas pelas defesas no processo sobre a trama golpista e apresentou suas posições divergentes a Moraes de forma enfática.
“Não compete ao Supremo Tribunal Federal realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. Ao revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal”, afirmou.
Fux disse que a análise do processo “exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de não se confundir o papel do julgador com o do agente político”.
Em sua introdução ao voto, Fux fez citações para defender a ampla defesa, as garantias constitucionais e a distância que a corte constitucional deve ter de questões políticas. Disse também que o tribunal não pode ser movido por clamor popular e defendeu a independência do juiz criminal.
“É exatamente imbuído dessas considerações filosóficas que me guiam nas mais de quatro décadas de judicatura que passo a analisar as provas, começando pelas preliminares, como um juiz de primeira instância”, disse.
Logo nos primeiros minutos de sua fala, o ministro indicou uma posição mais rígida com a acusação. Ele disse que o juiz precisa ter certeza para condenar os réus e “humildades para absolver quando houver dúvida”.
“Os fatos para serem considerados crimes devem encaixar-se na letra da lei penal como uma luva se encaixa na mão”, completou Fux.
A declaração foi dada durante voto do ministro no quarto dia de julgamento de Bolsonaro e outros sete réus pela trama golpista de 2022.
O Supremo está a um voto de ter maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sob a acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado e outros sete réus denunciados pela formação de um núcleo central de uma trama para permanecer no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Os ministros Moraes e Flávio Dino votaram na terça-feira (9) para condenar os oito réus em julgamento por todos os crimes pelos quais são acusados: abolição do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.